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Pesquisadores identificam fungos que transformam restos de plantações em alimento para animais ruminantes

07/03/2022
Com a descoberta, realizada por cientistas da Unesp, a indústria agropecuária pode ganhar uma opção de baixo custo para alimentar gados, porcos e cabras, além de fazer com que um resíduo de baixo valor, como o bagaço de cana, tenha outras utilidades
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Resíduo de baixo valor, bagaço de cana poderá ser utilizado para alimentar animais ruminantes. Foto: Canva

Pesquisadores da Faculdade de Ciências e Letras da Unesp, em Assis (SP), descobriram que alguns tipos de fungos (leveduras) amplamente encontrados na natureza são capazes de transformar restos de plantações que seriam descartados em alimentos altamente nutritivos para animais ruminantes. Esses alimentos, que antes eram apenas resíduos sem uso para a indústria agropecuária, podem virar opções de baixo custo para a nutrição animal. Entre os benefícios da comida produzida está a oferta de proteínas, aminoácidos, carboidratos, vitaminas, gorduras e minerais essenciais, que auxiliam na microflora do animal, fazendo-o engordar mais rápido e evitando doenças, o que gera menos despesas para o produtor.

 

A utilização de fungos para transformar restos de plantações em algo comestível para animais é um tipo de tratamento biológico, processo que envolve a aplicação de organismos vivos para degradar ou modificar determinada matéria orgânica com o intuito de solucionar um problema de forma sustentável. A inovação desenvolvida na Unesp permite que uma levedura cultivada em resíduos agroindustriais, como o bagaço de cana, transforme-os parcialmente em nutrientes consumíveis por animais como gados, porcos e cabras, por exemplo. Até hoje, os animais não conseguem digerir certos resíduos porque eles são feitos de fibras de baixa digestibilidade, o que causa problemas em seu fluxo intestinal. 

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Ruminantes não se alimentam adequadamente de resíduos agroindustriais pois eles apresentam propriedades que dificultam a digestão pelos animais. Foto: Canva

Segundo o professor Dr. Pedro de Oliva Neto, um dos autores do estudo, se você der só bagaço para um animal ruminante, o rúmen (primeira parte do estômago dos ruminantes) trava, fazendo com que o animal tenha dificuldade em se alimentar, o que pode levá-lo à subnutrição e até à morte. “O bagaço é uma substância fibrosa que contém celulose e hemicelulose complexada com significativa quantidade de lignina. Essa última torna a fibra de mais baixa digestibilidade, por isso você não pode dar o bagaço sozinho para o gado. Mas quando você faz o tratamento biológico com essa levedura, o bagaço fica nutricionalmente melhor”, conta o docente que orientou o trabalho fruto do doutorado da Dra. Thaís Yumi Shinya, que atualmente é professora da Universidade Estadual do Piauí (UESPI). A descoberta foi patenteada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com apoio da Agência Unesp de Inovação (AUIN)

 

Ainda de acordo com o Dr. Oliva-Neto, o que se utilizava até então para a alimentação animal era a levedura Saccharomyces cerevisiae, que pode ser encontrada no vinho, cerveja, pão e em bebidas fermentadas em geral. Contudo, essas leveduras não têm as propriedades de atacar a fibra. A descoberta dos pesquisadores chega com o diferencial de trazer um organismo que é capaz de transformar um resíduo em um alimento nutritivo. Outro fator importante é o baixo custo da inovação. O bagaço, atualmente, é queimado para gerar energia. Quando ele não é destinado para essa finalidade, ele é jogado na terra. A palha de cana também é um exemplo, pois é rica em fibras, mas por não ter nenhuma utilidade é descartada, formando uma camada no solo. Em excesso, a palha pode gerar problemas na própria cultura da cana de açúcar, já que ela é difícil de ser decomposta e atrai pragas. “Muitas fibras ficam na terra, então por que não dar uma aplicação para elas? Se a gente achar uma finalidade, nós vamos aumentar a oferta de comida para esses animais e também agregar valor aos resíduos que, muitas vezes, são simplesmente desprezados”, afirmou. Segundo o Dr. Oliva-Neto, as fibras no geral são muito baratas, o que traz uma vantagem competitiva para a invenção, além do processo do cultivo das leveduras também apresentar baixo custo.

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Descoberta da ação das leveduras foi realizada após experimentos no laboratório. Foto: Pedro de Oliva Neto

As leveduras que atacam a fibra foram descobertas durante experimentos. Os pesquisadores selecionaram e isolaram algumas linhagens de leveduras do meio ambiente e as cultivaram no bagaço. Durante as experiências, eles repararam que algumas dessas leveduras se multiplicaram, ou seja, elas se alimentavam das fibras para crescer. Isso normalmente não acontece com leveduras comuns, pois elas também não conseguem digerir a fibra. Os pesquisadores, então, concluíram nas análises que as leveduras tinham algo de especial. “Se um organismo consegue crescer em uma condição adversa, significa que ele tem alguns elementos que os diferenciam em relação aos outros. Geralmente esses elementos são enzimas especiais, que permitem que eles cresçam em substratos mais complexos, como as fibras”, explicou o docente.

 

Essas enzimas são produzidas pelas próprias leveduras para quebrar as moléculas das fibras e, segundo a pesquisa, também trazem benefícios. Chamadas de xilanases, as enzimas reduzem a formação do gás metano durante a digestão dos alimentos no rúmen, o que é muito desejável ambientalmente, já que o gás metano é tóxico para a camada de ozônio e a pecuária é um dos setores que produzem e emitem para a atmosfera bastante quantidade desse gás. Outro ponto positivo é que, como a própria levedura produz as xilanases, é provável que, caso a levedura se reproduza no rúmen, haja uma produção adicional de xilanase neste órgão, contribuindo para a fermentação ruminal. Uma outra opção é a introdução da enzima xilanase diretamente na dieta dos animais para estimular a fermentação ruminal, porém essa opção teria um alto custo. Essa quebra das moléculas pelas enzimas também gera uma série de processos metabólicos, dentre eles a propagação das leveduras especiais que, como são ricas em proteínas, há o aumento desse nutriente na composição do resíduo cultivado. “O bagaço de cana tem entre 1,2% e 1,5% de proteína bruta. Com o tratamento das leveduras, ele pode chegar a 7% de proteína ou até mais, além de aumentar seus minerais e melhorar sua digestibilidade”, comentou o professor da Unesp. 

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Após passar pelo tratamento biológico com as leveduras, material fibroso aumentou sua quantidade de proteínas e sais minerais. Foto: Pedro de Oliva Neto

Benefícios -  Segundo os pesquisadores, o consumo das leveduras pode ser feito de duas maneiras. O primeiro caminho é separá-las do bagaço, por meio de uma técnica chamada filtração e centrifugação, podendo ou não secá-las, e depois inserir essas leveduras em rações animais. O segundo é deixar o animal consumir o próprio bagaço com as leveduras. Esses microorganismos, se forem ingeridos, se instalarem no rúmen e gerarem benefícios para a saúde, ganham o nome de probióticos. “Os probióticos podem trazer muitos  benefícios, como a melhoria nutricional, reforço do sistema imunológico e a metabolização de compostos que podem causar danos à saúde, podendo ajudar no controle do desenvolvimento  de diversas bactérias que causam doenças intestinais. Até o câncer pode ser evitado com organismos probióticos”, explicou o Dr. Oliva-Neto. A saúde dos animais melhora e, consequentemente, a qualidade da carne. O custo de produção e o tempo de abate também podem diminuir, o que pode fazer com que os criadores de animais ruminantes tenham uma melhor produtividade e maior rentabilidade. “O negócio se torna mais rentável na medida que você tem menos problemas. O Brasil é um grande exportador de proteína animal, então se a gente conseguir melhorar a qualidade nutricional dos resíduos agroindustriais, que o país também produz muito, o Brasil poderá ampliar sua oferta de alimentos para a nutrição animal e continuar crescendo”, disse.

 

O objetivo da pesquisa é que as leveduras sejam voltadas para nutrição animal, mas, segundo os pesquisadores, se o estudo evoluir, é possível pensar em utilizá-las para o consumo humano, podendo ser agregada em uma farinha de pão ou macarrão, por exemplo. Como próximos passos, os cientistas irão realizar testes em conjunto com o Dr. Adibe Luiz Abdalla, do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA), em Piracicaba (SP).  Serão dois tipos de testes: o primeiro deles é o “in vitro”, com o intuito de simular a atividade ruminal e a interação com as leveduras e provar que elas trazem benefícios. Depois, serão realizados os testes “in vivo” com animais ruminantes de pequeno porte.  De acordo com o Dr. Oliva-Neto, a expectativa é de que em cinco anos as leveduras já estejam implementadas no mercado. A pesquisa teve financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Experimento revelou que determinadas leveduras se alimentavam das fibras para crescer. Foto: Pedro de Oliva Neto 

Também participaram do estudo o pesquisador em cultivo de células animais no Grupo de Engenharia de Bioprocessos da Escola Politécnica (USP), Dr. Eutimio Gustavo Fernández Núñez, o cientista do Centro de Recursos Microbiológicos da Universidade Nova de Lisboa, Dr. Fernando Carlos Pagnocca, e a doutora em bioenergia pelo Programa Integrado de Pós-Graduação em Bioenergia da USP, Unicamp e Unesp, Bruna Escaramboni.

 

Sobre a AUIN - A Agência Unesp de Inovação realiza estudos de viabilidade das invenções dos pesquisadores da Universidade, atua na proteção do patrimônio intelectual e nos trâmites necessários para gestão de patentes. Assim, o órgão é responsável por negociar parcerias e transferir tecnologia da universidade para os setores empresariais e sociais por meio de licenciamentos. 

 

A AUIN também incentiva e apoia o empreendedorismo universitário, estimulando a criação de novos os negócios, empresas filhas, startups e spin-offs, além de produtos, serviços e soluções que em seu processo de construção e execução possam beneficiar tanto a Unesp como a sociedade. Se você deseja comunicar sua invenção e solicitar um pedido de patente, bem como conhecer todos os detalhes sobre o trabalho da Agência, acesse o site da entidade clicando neste link.

 

Por Rebecca Crepaldi, para a AUIN 

 

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