Pesquisadores da Unesp desenvolveram uma nova batata-doce que irá auxiliar no combate à insuficiência de vitamina A, problema de saúde pública capaz de desencadear cegueira, o enfraquecimento do sistema imunológico, além de facilitar o surgimento de infecções por bactérias. O produto, que já teve seu registro protocolado no Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), também pode ser mais uma fonte de renda para pequenos produtores e uma alternativa de baixo custo para a suplementação de grupos e famílias em situação de vulnerabilidade socioeconômica, como comunidades quilombolas.
A nova batata-doce é do tipo de polpa alaranjada e, segundo os cientistas, possui até 50% mais betacarotenos - uma das principais fontes de vitamina A para o nosso organismo - em relação aos produtos semelhantes disponíveis atualmente no mercado. Além disso, as plantas dessa batata-doce têm potencial produtivo cerca de três vezes maior do que a média brasileira, permitindo que se produza mais alimento no mesmo período de colheita.
“Posso apontar três grandes diferenciais dessa nova batata-doce. O primeiro é a sua capacidade produtiva superior à média nacional, chegando a cerca de 45 toneladas por hectare, frente a aproximadamente 15 toneladas dos produtos atuais. O segundo é seu poder nutricional, por conta da quantidade mais elevada de betacarotenos em relação à batata-doce de polpa alaranjada americana, que foi importada para o Brasil e é a nossa referência. Por fim, o terceiro destaque é que ela possui um formato que agrada mais ao mercado. Ela é mais longa, o que facilita o seu descascar e preparo como um todo, além de ser mais firme e sequinha, que acaba sendo uma preferência do consumidor”, explica o principal responsável pela inovação, o professor Pablo Forlan Vargas, da Faculdade de Ciências Agrárias do Vale do Ribeira, em Registro (SP).
Para avaliar a aceitação do público, os cientistas realizaram uma série de ações para apresentar o produto à população e aos potenciais consumidores. Uma delas foi na própria Unesp, no campus de Jaboticabal (SP), onde alunos, funcionários, docentes e visitantes provaram às cegas o novo produto. “Nós cozinhamos as batatas-doces e oferecemos algumas amostras para os participantes degustarem. Ao final da avaliação, as notas obtidas pela nova hortaliça nos quesitos sabor, textura e aspecto geral foram todas melhores do que as recebidas pelas batatas-doces convencionais. A maioria dos participantes respondeu a um questionário dizendo que compraria o produto”, conta o docente.
Outra atividade de introdução da batata-doce foi realizada no Quilombo Peropava, em Registro. Na oportunidade, os pesquisadores apresentaram aos moradores locais as características do produto, seu poder nutricional, bem como seus benefícios à saúde humana. Diferentes alimentos foram preparados com o uso da batata-doce para que a comunidade pudesse degustar, como pães, tortas, suco, sequilhos, pudim, além da própria batata-doce pura cozida.
“O Vale do Ribeira possui várias comunidades quilombolas, que têm como base da alimentação a batata-doce. Nossa ideia de apresentar o produto para eles foi porque gostaríamos de mostrá-lo a quem realmente o consome com frequência e em bastante quantidade, pois assim teríamos uma avaliação mais aprofundada. O retorno foi muito positivo, disseram que ela não era tão doce, o que é bom para fazer pães, por exemplo, além de terem elogiado sua consistência mais firme”, conta Pablo. Ainda na mesma ação, os pesquisadores distribuíram mudas da nova batata-doce para que a comunidade pudesse produzi-la localmente tanto para consumo como para venda.
Uma terceira atividade de apresentação do produto ocorreu em Tapiraí (SP), na Associação Rural Comunitária de Promoção Humana e Proteção à Natureza, em parceria com o “Legado das Águas – Reserva Votorantim”. Na ocasião, foi realizado o plantio da batata-doce com foco em sua comercialização, tendo em vista que os membros dessa Associação vendem seus produtos em feiras livres na região de Sorocaba (SP). Os cientistas também passaram informações sobre técnicas de cultivo da nova batata-doce, que já está sendo comercializada pelo grupo. “O pessoal nos contou que os consumidores estão elogiando e gostando bastante da batata”, revela o docente.
As três Marias - Ao todo, três variedades da nova batata-doce foram desenvolvidas. Como forma de reconhecer o trabalho de mulheres engajadas na causa da segurança alimentar, os pesquisadores batizaram os produtos com os seguintes nomes: Unesp Maria Isabel, em alusão à Maria Isabel Vaz de Andrade, que é pesquisadora de Moçambique e referência na área de melhoramento genético da batata-doce biofortificada; Unesp Maria Rita, em homenagem a Maria Rita Marques de Oliveira, professora do Instituto de Biociências de Botucatu e coordenadora da rede de segurança alimentar da Unesp; e Unesp Maria Eduarda, em referência à Maria Eduarda Facioli Otoboni, ex-orientanda de Pablo e atual doutoranda da Universidade, no campus de Ilha Solteira.
As novas variedades foram obtidas a partir de cruzamentos naturais promovidos em campo entre plantas pré-selecionadas, que foram cedidas pelo Centro Internacional da Batata, de Moçambique. Ou seja, não houve nenhum procedimento artificial realizado no laboratório visando o melhoramento genético das plantas. Após os cruzamentos, cerca de cinco mil sementes foram geradas e semeadas para avaliação. Para chegar até as três variedades, cerca de mil plantas filhas passaram por estudos mais aprofundados, sendo escolhidas as três Marias como as que tiveram as melhores performances.
O desempenho agronômico da nova batata-doce foi avaliado em circunstâncias diversas, com suas variedades sendo plantadas nas cidades de Registro, Jaboticabal, Ilha Solteira, Vera Cruz (SP) e Botucatu (SP), em diferentes estações do ano. Todos os resultados obtidos foram positivos. O tempo de colheita gira em torno de quatro meses, que está dentro do padrão normal do ciclo da batata-doce. Uma das variedades, em especial, pode ser colhida a partir dos três meses e meio, o que também é uma vantagem para os produtores. Após os estudos, os cientistas afirmam que a nova batata-doce pode ser cultivada em qualquer local do Estado de São Paulo e ter seu desempenho testado em outras regiões do Brasil.
Problema de saúde pública - A deficiência de vitamina A no Brasil é um problema de saúde pública moderado que ocorre, principalmente, na Região Nordeste e em alguns locais da Região Sudeste e Norte. Segundo a última Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher (PNDS), que foi divulgada em 2006, 17,4% das crianças menores de cinco anos apresentavam níveis inadequados de Vitamina A, sendo as maiores prevalências encontradas no Nordeste (19,0%) e Sudeste (21,6%) do País.
Estudos apontam que suplementação adequada com vitamina A em crianças de 6 a 59 meses de idade reduz o risco global de morte em 24%, de mortalidade por diarreia em 28% e a mortalidade por todas as causas, em crianças HIV positivo, em 45%. Por isso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda a administração de suplementos de vitamina A para prevenir, principalmente, a xeroftalmia e a cegueira de origem nutricional em crianças dessa faixa etária. Atualmente, cerca de quatro milhões e meio de crianças menores de cinco anos demandam suplementação do composto no Brasil, de acordo com ofício expedido pelo Ministério da Saúde em março deste ano em que orienta as secretarias estaduais de saúde sobre o número de doses necessárias de suplemento a serem aplicadas.
Em geral, frutas, legumes amarelos e alaranjados e vegetais verde-escuros são ricos em compostos precursores de vitamina A. Assim, com o objetivo de contribuir com o seu suprimento adequado, a Unesp iniciou em 2017 um pioneiro programa de melhoramento genético de batata-doce, com foco na biofortificação com betacaroteno.
“A Unesp de Registro, infelizmente, está inserida em uma região onde a população tem altos índices de deficiência de vitamina A. E a nossa preocupação era pensar em como a Universidade, por meio do curso de Engenharia Agronômica, poderia agir para mitigar esse problema. Dentro desse contexto, uma das culturas que se consome muito por aqui é a batata-doce, então por que não aliar essas duas coisas para resolvermos esse problema não só aqui, mas no Brasil?”, indagou Pablo.
Segundo o docente, além de ser uma alternativa para colaborar com a solução de um problema de saúde pública, a inovação também é importante para os pequenos, médios e grandes agricultores, que até então careciam de opções para cultivo de batata-doce em larga escala. Outro ponto que o professor destaca é que a ideia não é substituir outras fontes que também fornecem vitamina A, mas oferecer mais uma alternativa, principalmente para as comunidades mais necessitadas:
“Esse projeto tem uma característica social muito forte. Por isso estamos realizando ações de distribuição da nova batata-doce aqui no Vale do Ribeira. E quando falamos em populações rurais, que muitas vezes sofrem com a falta de alimentos básicos, introduzir uma opção vinda de uma planta que é fácil de ser cultivada, resistente mesmo com pouca água e de fácil propagação, permite que essas pessoas com baixa condição econômica tenham uma suplementação barata e ainda possam, eventualmente, ter uma nova fonte de renda, caso decidam produzir a batata-doce em quantidades maiores”, finaliza.
Empresas, agricultores, produtores, comunidades e todos que tiverem interesse em ter acesso às novas variedades da batata-doce para cultivo devem entrar em contato com a Agência Unesp de Inovação (AUIn), que foi a responsável por auxiliar os pesquisadores nos trâmites de registro dos novos produtos junto ao MAPA e proteger os direitos de uso da batata-doce em nome da Universidade.
Além do Centro Internacional da Batata, o desenvolvimento do projeto contou com a colaboração de pesquisadores da Unesp em Ilha Solteira e Jaboticabal e do Centro de Raízes e Amidos Tropicais da Unesp. O trabalho é apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), pelas Pró-Reitorias de Pesquisa e Extensão e Cultura da Unesp e pela AUIn.
Por Henrique Fontes, da Assessoria de Comunicação da AUIn/Unesp
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