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 Química Quântica e Inovação Tecnológica na UNESP: como o pioneirismo em pesquisa e o empreendedorismo tecnológico podem revolucionar exames clínicos e o descobrimento de novos medicamentos

22/08/2023
 Avanços no campo da eletroquímica quântica, obtidos pela equipe do Prof. Dr. Paulo Roberto Bueno, podem mudar a forma de se realizar química analítica com profundo impacto em análises clínicas e no descobrimento de novos medicamentos.
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Imagem de vecstock no Freepik

 

Por: Luís Guilherme L. Fernandes

         

         Que há uma ampla relação entre pesquisa científica, aplicada e avanços tecnológicos, não há dúvidas. Avanços tecnológicos são, muitas vezes - senão todas - propiciados por descobertas científicas que permitam que novos conceitos teóricos sejam explorados na prática e em âmbito industrial, sucessivamente. Contudo, embora a lógica seja relativamente simples e aprimorada em diversos países ao redor do mundo - especialmente naqueles ditos desenvolvidos - no Brasil, pesquisadores lidam com dificuldades que vão desde a aquisição de verbas para a realização dos seus trabalhos científicos até a prova de conceito tecnológico e transferência de conhecimento para o setor privado (onde finalmente a pesquisa se torna realidade econômica).  Com muito custo e pouco incentivo no Brasil, mas com um potencial enorme de geração de empregos de qualidade e produtos úteis à sociedade, alguns profissionais desafiam a ordem das coisas. Superando as dificuldades que são comuns a muitos de seus pares, o Prof. Dr. Paulo Roberto Bueno e sua equipe de pesquisa, o Nanobionics, realizam estudos na fronteira do conhecimento na área que química quântica, especificamente, no campo da eletroquímica quântica. A aplicação dos conceitos científicos nesta área em que o seu grupo de pesquisa é pioneiro, permitiu avanços importantes e com impactos na forma como o diagnóstico clínico pode ser realizado.

         Sediado no Instituto de Química da UNESP, em Araraquara, o grupo de pesquisa do professor Bueno idealizou aplicações dos conceitos que hoje se tornaram tecnologia, desenvolvida em cooperação com pesquisadores da Universidade de Oxford, na Inglaterra. A tecnologia, que consiste na aplicação de eletroquímica (que pode ser entendida como química feita por meio de elétrons) para o diagnóstico de doenças, permite que pequenas amostras de sangue sejam usadas para diversos diagnósticos clínicos praticamente em tempo real. Da parceria com a universidade inglesa, surgiu a Osler Diagnostics, startup que licenciou e segue desenvolvendo a tecnologia, oferecendo os primeiros produtos no mercado global. O equipamento desenvolvido pela startup permite que exames médicos sejam realizados a partir de uma única gota de sangue, entregando o resultado em minutos, agilizando todo o processo de consulta, check-up e diagnóstico que permeia a relação médico-paciente, permitindo o diagnóstico imediato no consultório médico, farmácias e unidades de pronto atendimento (UPA). 

         No entanto, embora a tecnologia desenvolvida pela Osler Diagnostics já tenha sido um avanço admirável, os conceitos científicos pioneiros continuam permitindo a sua aplicação no desenvolvimento de novas tecnologias que vão além de equipamentos diagnósticos médicos rápidos. “Em um país como o Brasil, onde há uma enorme capilaridade da rede pública de saúde e onde nem todos têm acesso a análises clínicas, equipamentos como o desenvolvido pela Osler Diagnostics podem ser de grande alcance” conta o Prof. Paulo. “Utilizando-se conceitos de eletroquímica quântica, é possível desenvolver chips baratos para a análise química a nível molecular, permitindo desenvolver sensores e equipamentos que não somente permitem o diagnóstico médico rápido e portátil, mas também admitem a análise de alimentos, contaminação ambiental, etc. - a tecnologia em si permite de forma sensível e barata desenvolver um chip do tamanho de uma moeda e, então, sua utilização em um telefone inteligente para se realizar as análises químicas de interesse. Muitas análises químicas que de outra forma seria apenas possível em equipamentos caros e em ambiente de laboratório, serão possíveis de serem realizadas de forma rápida e portátil no futuro. Por exemplo, imagine se a qualidade do combustível do seu carro pudesse ser realizada por 1 real no seu telefone? Certamente teríamos menos possibilidade de adulteração.”

         Atualmente, o grupo de pesquisa está desenvolvendo conceitos que permitem que moléculas, pontos quânticos, grafeno e outros materiais com características quânticas possam ser utilizados como componentes deste chip, permitindo que a eletrônica a nível molecular possa ser operada em meio líquido e biológico e isso constitui a grande diferença em relação a eletrônica e ciência quântica dos dispositivos tradicionais. “Estamos aprendendo como funciona a dinâmica dos elétrons que dá origem, por exemplo, à nossa respiração. O corpo humano possui corrente elétrica com os elétrons transitando por essas moléculas e permitindo nossa atividade e movimento muscular. Entender como funciona esse processo a nível quântico e de eletrônica é o objetivo do nosso estudo fundamental e a isso chamamos de eletroquímica quântica”, conta o professor. “O evento de transporte de elétrons por si só é um fenômeno quântico, que possui uma velocidade ditada pela velocidade de processamento das reações eletroquímicas no corpo ou nas baterias dos telefones móveis e inteligentes. O estudo deste fenômeno a nível atómico ou molecular é o que permite a alta sensibilidade química e a rapidez dos dispositivos que temos desenvolvido, permitindo a execução de análises químicas qualitativas e quantitativas com altíssima sensibilidade (milhares de vezes mais preciso que uma parte por bilhão) e rapidez de análise.”

         Membros do grupo de pesquisa (pós-doutores, por exemplo) unidos a um profissional de negócios experiente, confiantes nas pesquisas de ponta do grupo e incentivados pelo professor, resolveram empreender cientes de que a aplicação destes conceitos científicos em novos dispositivos é capaz de permitir o desenvolvimento de novas tecnologias além do diagnóstico clínico, como foi desenvolvido pela Osler Diagnostics. Com o apoio da Agência UNESP de Inovação, a AUIN, o grupo buscou fundos de investimentos internacionais que apoiaram a iniciativa, resultando na recém-criada empresa startup denominada Qnity (Quantum Affinity Assays), que nasce como uma empresa com um DNA internacional, ou seja, uma vez que os recursos financeiros são internacionais, ela está sediada nos sediada nos Estados Unidos. No entanto, a Qnity possui uma filial no Brasil e foi totalmente idealizada em território nacional. A Qnity busca desenvolver ensaios de afinidade biológica utilizando os conceitos de eletroquímica quântica desenvolvidos em Araraquara, cidade localizada a aproximadamente 250 km da capital paulista.

          Através do ambiente de inovação da UNESP, gestado pela AUIN, os próximos passos da Qnity são bastante promissores. Dentre as tecnologias sendo desenvolvidas pela Qnity, há um equipamento que permitirá ensaios de afinidade capaz de analisar 10 mil potenciais candidatos a um medicamento em poucos dias. O grande diferencial da Qnity, conta o professor, é que ela desenvolverá soluções de hardware que serão capazes de efetivamente treinar uma inteligência artificial (IA) de forma muito rápida. Geralmente, é necessário realizar 10 mil ensaios de afinidade biológica para se obter em média 5 potenciais alvos para testes clínicos para o desenvolvimento de novos fármacos, sendo que apenas 1 ou 2 efetivamente se tornarão medicamentos. Para realizar esses 10 mil ensaios são necessários meses ou anos e muitos técnicos trabalhando nos ensaios de laboratório. O hardware a ser desenvolvido pela Qnity permitirá que isso possa ocorrer de forma automatizada, em apenas uma semana ou menos de 5 dias, e os dados gerados serão utilizados para treinamento de uma IA, a previsibilidade irá aumentar. A combinação hardware e IA será o grande diferencial da Qnity na busca de novos medicamentos. Isso porque somente uma tecnologia que faz uso da química analítica quântica para os ensaios biológicos poderá ter essa sensibilidade, rapidez e previsibilidade.

         O pioneirismo na aplicação dos conceitos de eletroquímica quântica em análises clínicas, como o que está sendo realizado em Araraquara, é um motivo de orgulho não só para a UNESP e a AUIN, mas para toda a sociedade brasileira, que vê nascer em seu seio uma tecnologia com potencial revolucionário para a biomedicina e para a indústria farmacêutica a nível global. Esperamos que o país seja capaz de apoiar mais iniciativas como essa para alavancar o potencial que a ciência e o conhecimento têm como elementos de transformação de uma sociedade por meio do desenvolvimento social e econômico.