Leprose dos citros está amplamente disseminada no Estado de São Paulo: Foto: Lucineia dos Santos
Pela primeira vez, cientistas brasileiros desenvolveram um defensivo agrícola natural contra ácaros que atacam e acometem plantações de laranja. Feito com resíduos de sisal, planta encontrada em grande quantidade na região Nordeste do Brasil, a inovação criada por pesquisadores da Unesp, em Assis, não contamina a natureza e ainda pode contribuir para o consumo de frutas mais saudáveis. “É um produto muito potente. Comprovamos que ele mata 100% dos ácaros já no primeiro dia após a sua aplicação nas laranjas. Agora, estamos adequando o material às exigências do mercado e preparando uma formulação para testá-la diretamente nos laranjais”, conta a professora Lucineia dos Santos, docente da Unesp e responsável pela novidade.
O novo defensivo é eficaz contra ácaros causadores da Leprose dos citros, doença que é o pesadelo dos citricultores do Estado de São Paulo, onde ela está amplamente disseminada e estão localizados 9 dos 10 maiores produtores de laranja do país, respondendo por 78% de toda produção nacional. A estimativa é de que são gastos aproximadamente US$ 60 milhões por ano com com acaricidas para o combate da leprose. Dependendo da severidade dos danos, a doença pode causar reduções drásticas na produção. “A citricultura é um dos setores mais tradicionais do agronegócio brasileiro. Somos o mais importante fornecedor global de suco de laranja, o que representa elevada importância econômica”, lembra a pesquisadora.
Defensivo feito com restos de Sisal poderá ser uma alternativa sustentável para o reaproveitamento de resíduos agrícolas. Foto: Lucineia dos Santos
Como o defensivo é produzido? - Após ficar exposto ao Sol 10 horas por dia durante uma semana (protegido com uma tela contra insetos e outros possíveis contaminantes externos), o resíduo do sisal passa por uma fermentação natural. Essa reação química transforma o que iria para o lixo em uma massa orgânica com alta atividade acaricida. No fim, 1 kg de resíduo pode gerar pouco mais de 1 litro de defensivo agrícola natural. Líder mundial na produção de laranja, o agronegócio brasileiro tem uma crescente dependência de agrotóxicos sintéticos importados, que são cada vez mais utilizados. O país consome cerca de 20% de todos os defensivos produzidos no mundo. “Dependemos de uma tecnologia externa, cobrada em dólar. O aumento do custo de produção também faz crescer o valor do produto para o consumidor final. Temos visto os preços dos alimentos cada vez maiores, então, por que não usar toda a biodiversidade vegetal que temos no país a nosso favor? Temos que valorizar aquilo que nós temos aqui”, diz Lucineia.
Além dos elevados custos na produção, o uso constante e indiscriminado de agrotóxicos sintéticos pode contaminar os seres humanos, seja durante a aplicação nas plantações ou por meio do consumo de alimentos, e o meio ambiente, bem como aumentar a resistência dos vetores com o passar do tempo. “O uso de defensivo agrícola natural é muito mais vantajoso. Com esse tipo de produto podemos produzir laranjas mais saudáveis, que não são atingidas por todas as substâncias químicas prejudiciais que os agrotóxicos sintéticos possuem, além de não poluir o solo e a água”, defende a professora. Com baixo custo para ser produzido, já que a novidade feita à base de sisal tem como matéria-prima algo que seria descartado, o produto tem fonte abundante. “Precisamos considerar apenas o custo do transporte desse resíduo até uma unidade que vai produzir esse defensivo agrícola. É uma grande conquista”, celebra a docente.
Sisal é encontrada em abundância no Nordeste brasileiro. Foto: Canva
Em todo mundo, cientistas buscam alternativas inovadoras e sustentáveis para resíduos agrícolas e defendem seu reaproveitamento em favor do meio ambiente, da saúde dos seres humanos e do incremento social e econômico de famílias de baixa renda. “No caso do sisal, a fibra da folha usada atualmente como matéria-prima pelas indústrias automobilística e têxtil na produção de cordas, artesanato e outros produtos representa apenas 5% de seu peso. É um alto investimento de recursos para desfrutar de quase nada. O restante da planta é descartado. São toneladas deste rico material que vão parar no lixo. É um tesouro, um ouro do sertão, uma riqueza esquecida pelo brasileiro”, lamenta.
De acordo com a docente, agregando valor ao resíduo por meio da venda de produtos desenvolvidos com ele, também é possível oferecer melhores condições econômicas e sociais às famílias que vivem na região sisaleira do Brasil, uma das mais pobres do País, onde os pequenos produtores rurais dificilmente alcançam renda mensal de um salário mínimo. Embora o sisal represente uma das poucas opções econômicas viáveis no clima semiárido do nordeste brasileiro, sua cultura tem sofrido grandes perdas de mercado nos últimos anos por possuir baixo aproveitamento. O Brasil é o maior produtor e exportador mundial do vegetal, cujo estado com maior produção é a Bahia, que concentra 95,2% da produção nacional e 42% de todo o sisal produzido no mundo. Com folhas capazes de atingir até um metro de comprimento e origem registrada no México, a planta se adequou ao semiárido do Brasil, onde, em geral, chove uma vez por ano.
“Desde 2010, produzimos pesquisas para encontrar finalidades para o resíduo do sisal e agregar valor a esse rico material. Quando fomos à Bahia e nos deparamos com aquela realidade, começamos a procurar diferentes alternativas. Entramos em contato com vários pesquisadores, tanto os que são da área da saúde como os que trabalham com questões ambientais. Precisamos pensar em uma dinâmica para tentar melhorar a qualidade de vida dessas pessoas que vivem em situação de miséria e vulnerabilidade social. Aproveitar o resíduo do sisal pode representar um ganho de renda e bem-estar para milhares de famílias que têm ali o seu sustento. Não podemos esquecer em nenhum momento dessa realidade. Temos condições de solucionar essas questões”, diz Lucineia.
Ácaros sendo mortos após a aplicação do defensivo natural em uma laranja contaminada. Foto: Lucineia dos Santos
Patenteado pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com apoio da Agência Unesp de Inovação (AUIN), o novo defensivo agrícola feito à base de sisal foi testado dentro do laboratório em laranjas contaminadas com os ácaros, apresentando eficácia e segurança. Na primeira etapa do seu desenvolvimento, o trabalho contou com financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação da Bahia e, posteriormente, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). Estudos complementares continuam sendo realizados. “Estamos buscando parceiros na indústria. Precisamos de empresários que queiram financiar os nossos projetos para que a gente possa caminhar. Sem isso, vamos levar anos até levar o produto para as prateleiras. Nós precisamos controlar as pragas da agricultura e, para isso, precisamos estabelecer outras estratégias, como o uso de extratos vegetais. É de extrema importância que exista uma pressão por parte da sociedade, dos cientistas e de outros setores por uma proteção maior não só da natureza, mas também de toda a população”, conclui a docente.
Shampoo - A partir dos resíduos do sisal, a professora Lucineia dos Santos também desenvolveu um novo shampoo preparado com uma substância natural encontrada no vegetal. O produto é uma opção aos cosméticos comercializados atualmente que, em sua maioria, são produzidos com compostos químicos que podem causar irritações, além de retirar propriedades importantes da pele. A inovação de baixo custo e renovável também é capaz de gerar impactos positivos na economia e tirar da pobreza populações vulneráveis que dependem do sisal para sobreviver.
“Na maioria dos sabonetes e shampoos usados atualmente há uma substância sintética chamada Lauril Sulfato de Sódio, responsável por promover a espuma do produto. Apesar de limpar e ter um baixíssimo custo, esse composto pode causar vários problemas para a pele, como irritações, já que não retira apenas o óleo em excesso, mas também as gorduras que são consideradas boas e outras substâncias importantes”, relata a professora. O novo shampoo desenvolvido na Unesp tem espuma suave, macia, não agride o couro cabeludo, não danifica nem resseca os fios e não desbota tinturas. Saiba mais no link.
Sobre a AUIN - A Agência Unesp de Inovação realiza estudos de viabilidade das invenções dos pesquisadores da Universidade, atua na proteção do patrimônio intelectual e nos trâmites necessários para gestão de patentes. Assim, o órgão é responsável por negociar parcerias e transferir tecnologia da universidade para os setores empresariais e sociais por meio de licenciamentos.
A AUIN também incentiva e apoia o empreendedorismo universitário, estimulando a criação de novos os negócios, empresas filhas, startups e spin-offs, além de produtos, serviços e soluções que em seu processo de construção e execução possam beneficiar tanto a Unesp como a sociedade. Se você deseja comunicar sua invenção e solicitar um pedido de patente, bem como conhecer todos os detalhes sobre o trabalho da Agência, acesse o site da entidade clicando neste link.
Por Eduardo Sotto Mayor, da Fontes Comunicação Científica, para a AUIN
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